Fotolivro e as contra-narrativas urbanas da América Latina

No contexto da América Latina do século XX, a fotografia ocupa um lugar de destaque na construção e circulação de sua imagem moderna diante o mundo. Essa imagem, como buscaremos discutir neste trabalho, não é única e pode ser estudada   partir de diferentes regimes de visibilidade. Trata-se de um caleidoscópio de imagens a apresentar-se diante de nós buscando diálogo entre um mundo que, apreendido pela câmera, ora parece desaparecer, ora atualiza-se constantemente reverberando, ainda, este passado no presente. No intuito de refletir sobre as distintas formas e regimes de representação e circulação das imagens das cidades latino-americanas no campo da Arquitetura e das Artes procurarei, recorrendo a alguns fotolivros latino-americanos, questionar o predomínio da tradição objetual destas representações – o enquadramento perfeito do objeto arquitetônico, a ênfase nos aspectos formais e na técnica – entendendo tal modo de representar como traço marcante das publicações especializadas e livros de história da Arquitetura e do Urbanismo.  

Na primeira parte do texto, buscarei contextualizar e discutir alguns aspectos centrais que permitem inserir alguns fotolivros no contexto do livro de artista e entende-los como estratégia poética-política no interior da cultura visual latino-americana (PARR, 2004; FERNÁNDEZ, 2011). Em seu sentido contra-hegemônico, a mostrar-se como avesso das publicações fotográficas tradicionais da modernidade latino-americana, tais publicações atuam como plataformas individuais ou coletivas de experimentação artística nas quais observamos em suas páginas impressas por meio de colagens e montagens a simultaneidade de imagens e temporalidades de discursos – o livro como dispositivo retórico (CADOR, 2016).  

Posteriormente, apresento alguns fotógrafos e fotolivros latino-americanos buscando demonstrar como suas redes de produção e circulação configuram um locus importante para se pensar as políticas da imagem em dois momentos específicos da historia latino-americana recente: a primeira modernidade (pré-1950), marcado pelo sentimento pan-americanista e por uma intensa projeção da arquitetura latino-americana em publicações e exposições nos centros hegemônicos, principalmente nos Estados Unidos; e a modernidade tardia (pós-1950) de fundamentação desenvolvimentista e tecnicista, na qual se sobressaem as disputas simbólicas e políticas no contexto da Guerra-fria (1947-1991). Para fazer ver tal avesso, analisaremos dois destes relatos visuais pouco conhecidos no campo da Arquitetura e do Urbanismo buscando compreender as narrativas veiculadas pelo conjunto de imagens, seus meios de produção e circulação: Asfalto-Inferno (1963) <ID540>, publicação independente de Daniel González – membro do grupo venezuelano El techo de la Ballena (1961-1968) – que nos apresenta um contraponto à Caracas moderna; e Para verte mejor Latinoamerica (1972) <ID845> de Paolo Gasparini em seu diário visual a conectar, por meio da viagem, povos e lugares distantes deste mesmo território146